Tragos e estragos

Dorme profundo. Dorme como alguém que bebeu a noite toda e depois caiu no canto. Esquecido. Dopado em álcool. Respirando pesado e suando, suando. Solução quase perfeita se não fosse pela manhã seguinte, onde acordaria com ressaca e o que quer que o incomodasse, permaneceria, no mesmo lugar, onde na noite passada dormiu. Mas era assim. Morfina na alma para lhe poupar da realidade. O passado morava bem ali do lado. Precisa dormir, precisava descansar a alma. Antes uma noite de sono do que perder tempo pensando em coisas que não vão mais voltar. Por que era inevitável, quando não se achava sono e nenhum bar aberto àquela hora, ele pensava. E voltava a beber. De gole em gole a vários cigarros. Repetia a rotina como num circulo – todos os fins de tarde –, onde o que importava era apenas se dopar, ou dormir, porque no mundo dos sonhos era melhor. Bem melhor do que a realidade gritante do era voltar pra casa no fim de cada dia igual. Casa vazia, vida vazia... E antes a paz de um peito vazio também...


Mas acontece que nesta vida, por varias vezes, ainda que o tempo passe, algumas coisas não envelhecem e morrem com ele, fica ali, encravado, esperando a hora de acordar, no mesmo lugar onde quase foi esquecido. Assim é esse tal amor, que vira pedra mas não morre, antes que a gente morra e o leve junto. E ele sabia disso. E sabia também que hoje o Bar do Nelson não estaria aberto, nem o Bar do Beto e por fim, nem o Bar Dos Três Corações. Bateu na porta de um vizinho qualquer mais ele não abriu. Sentou-se ali, calado, de frente para a porta do apartamento de numero 23. Duas voltas na chave e a porta abriu-se silenciosamente. E, tirando as roupas jogadas e a leve poeira na mobília, tudo continuava igual, intocado, como se o tempo tivesse parado. Alguns segundos depois e houve um suspiro, um leve piscar de olhos e de repente as lágrimas vieram sem serem convidadas. Mas, acima de tudo, houve uma certeza... O tempo tinha passado, é óbvio, e as coisas só não passaram para ele porque ele nunca decidiu seguir a vida de verdade. Percebeu que querer esquecer é o mesmo que querer lembrar, e que não adianta a quantidade de remédios e álcool que se coloque pra dentro, no dia seguinte seus olhos iriam abrir com a mesma dor estampada. Que algumas horas dormindo poderia sim fazer-lhe esquecer, mais nunca lhe daria à calma e a paz que precisava. Percebeu também que, por mais que todo aquele passado feliz tivesse passado, fora bom, e se fora, tinha coisas boas pra lembrar ao invés de ficar se lembrando do que levou tudo ao fim. Afinal de contas, tudo acaba um dia mesmo, até a vida. E, saber ganhar é relativamente fácil, difícil mesmo é saber perder e continuar em pé, de cabeça erguida. O tempo conserta as coisas, não é preciso manual de instruções ou receitas para esquecer alguém...

11 Comentários

  1. Rick,texto profundo e bem real!Vc escreve sempre com muita verdade e isso faz de vc um grande escritor,parabéns!bjs e bom domingo!

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  2. Esse trecho no final foi pra arrematar de vez né? ;D
    Lindo texto, parabéns..
    Passando pra lhe desejar uma boa semana!
    Sempre será bem vinda ao nosso blog. Espero você por lá ;)
    Dê sua opinião ^^

    Beijosmil ;*

    http://o-que-ninguem-ve.blogspot.com.br/

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  3. Olaa seja hiper bem vindo ao blog e ja estou por aqui lendo , gostei muito dos textos parabens pelo trabalho.

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  4. "E, saber ganhar é relativamente fácil, difícil mesmo é saber perder e continuar em pé, de cabeça erguida..."

    Realmente...

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  5. essa receita aí para esquecer alguém, todo mundo sabe de cor. o problema é a ressaca, sempre ela.

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  6. Muito bonito. Realmente não adianta de nada se entorpecer pra tentar esquecer, depois volta tudo. Ótimo que o moço tenha percebido que pode-se olhar a parte boa, e viver apenas com essas. Mais ele que não se preocupe, pq por mais que demore, outras lembranças boas viram para que ele possa lembrar mais tarde. Tenha uma semana otima, se cuida viu? saudades..

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  7. Ninguém sabe nem está preparado pra perder. Mas sobrevivemos, porque é a única coisa que podemos fazer até que percarmos o jogo da vida!

    ps. sim estou "meio" sumido, resultado de algumas perdas e da necessidade de repensar muita coisa. mas acho que estou voltando, com feridas e alguns sorrisos, como de costume.

    Abraço.

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  8. Adorei!!!
    Adorei!!!
    E adorei teu jeito de escrever!!!!

    Encantada!!!!

    Abraços!!!

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  9. Poxa, Rick. Gostei do seu texto, muito! É triste pensar em dopar a alma para evitar sentir, não? Acontece.
    Acho que esse moço precisa gritar e jogar fora todos esses sentimentos que insistem em aprisionar a dúvida em seu vazio. Sentir é sempre a melhor saída, mesmo que seja doloroso.

    Um beijo grandão! Se cuida, saudades!

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  10. '' Por varias vezes, ainda que o tempo passe, algumas coisas não envelhecem e morrem com ele, fica ali, encravado, esperando a hora de acordar, no mesmo lugar onde quase foi esquecido. Assim é esse tal amor, que vira pedra mas não morre, antes que a gente morra e o leve junto.''


    Eu traguei esse texto até o final, e me embalei nos significados de cada palavra-verdade, tua. Essa parte que coloquei entre aspas foi aquela parte que me arrematou, pelo simples fato de que me li claramente nela.

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  11. " Por varias vezes, ainda que o tempo passe, algumas coisas não envelhecem e morrem com ele..."
    esse trecho é simplesmente perfeito. Me encontrei nele. Foi como se você traduzisse o que sinto, as vezes. De gole em gole vai tentando esquecer... prefiro os goles do tempo.

    beijinhos

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